BRASÍLIA - Um ex-torneiro mecânico pernambucano indicou um ex-faxineiro mineiro para ocupar uma vaga entre os Ministros do Supremo Tribunal Federal.
O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva escolheu o doutor da Universidade de Sorbonne e procurador do Ministério Público Federal Joaquim Benedito Barbosa Gomes, 48 anos, para ocupar uma vaga entre os Ministros do Supremo Tribunal Federal.
No dia 7 de maio de 2003, o abismo social brasileiro simbolicamente ficou um pouco menor. O jovem negro que cuidava da limpeza do Tribunal Regional Eleitoral de Brasília está prestes a chegar ao topo da carreira da Justiça após quatro décadas de vitórias contra desigualdades sociais e raciais.
A primeira foi em Paracatu, interior de Minas, onde nasceu numa família de sete irmãos, com a mãe dona-de-casa e o pai pedreiro e, mais tarde, dono de uma olaria.
Lá, percebeu que só o estudo poderia mudar sua história. Já aos dez anos, dividia o tempo entre o trabalho na microempresa da família e a escola. O saber era quase uma obsessão.
"Uma das piores lembranças da minha infância foi o ano em que fiquei longe da escola porque a diretora baixou uma norma cobrando mensalidade. No ano seguinte, a exigência caiu e voltei à sala de aula. Estudar era a minha vida e conhecer o mundo o meu sonho. Adorava aprender outras línguas".
O domínio de línguas estrangueiras foi a engrenagem para a mobilidade social de Joaquim Barbosa. Aos 16 anos, deixou a família e a infância em Minas Gerais e foi atrás de emprego e educação em Brasília.
Dividia o tempo entre os bancos escolares e a faxina do TRE no Distrito Federal. Um dia, o mineiro, na certeza da solidão, cantava uma canção em inglês enquanto limpava o banheiro do TRE. Naquele momento, um diretor do tribunal entrou e achou curioso uma pessoa da faxina ter fluência em outro idioma. A estranheza se transformou em admiração e, na prática, abriu caminho para outras funções.
Primeiro como contínuo e, mais tarde, como compositor de máquina off set da gráfica do Correio Brasiliense. A conquista não sairia barato. "Lembro de uma chefe que me humilhava na frente dos companheiros de trabalho e questionava minha capacidade. No início, foi difícil, mas acabei me estabilizando no emprego e mostrando o quanto era profissional. A renda aumentou, mas ainda era pouca para ele e a família lá em Minas".
Foi trabalhar também no Jornal de Brasília acumulando dois empregos e jornada de 12 horas. Mais tarde, trocou os dois por um. Foi para a gráfica do Senado trabalhar das 23h às 6h da manhã. Depois do sono e a intolerância. "Havia um professor que, ao me ver cochilando, me tirava da sala". Joaquim Barbosa continuava sonhando acordado. Prestou prova para oficial da chancelaria do Itamaraty e passou. Trocou o bem remunerado emprego do Senado por um, que pagava bem menos. Mas o novo trabalho tinha uma vantagem incalculável: poder viajar para a Europa.
Durante seis meses, conheceu países como Finlândia e Inglaterra. De volta ao Brasil, prestou concurso para carreira diplomática. Foi aprovado em todas as etapas e ficou na entrevista: a única na qual a cor de sua pele era identificada.
Após esse episódio, a consciência racial de Joaquim Barbosa, que começou a ser desenhada na adolescência, ganhou contornos mais fortes. Ganhou novas cores, quando, já como jurista do Serpro, conheceu o país, especialmente o Nordeste e, em particular, Salvador. Bahia foi uma paixão à primeira vista do mineiro.
Foi lá onde Joaquim Barbosa teve um contato maior com o que ele chama de "Negritude". A percepção de ser minoria entre as elites ficou ainda mais nítida fora do país. O jurista explica que o sentimento de isolamento e solidão é muito forte num "ambiente branco" da Europa.
Ser uma exceção aqui e no além mar ficou ainda mais forte após o doutorado na Universidade de Sorbonne. Nessa época já acumulava títulos pouco comuns para maioria das pessoas com a mesma cor de pele: Procurador do Ministério Público e professor universitário. Antes, já tinha passado pela assessoria jurídica do Ministério da Saúde.
O exercício de vencer barreira, de alguma forma, está em sua tese de doutorado, publicada em francês. O doutor explica que o seu objetivo de estudo foi o direito público em diferentes países, como os EUA e a França.
"A minha intenção foi ultrapassar limites geográficos, políticos e culturais. Quero um conhecimento que vá além das fronteiras dos países".
Joaquim Barbosa é autor das seguintes obras:
1. La Cour Suprême dans le Système Politique BRésilien", publicada na França em 1994 pela Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence-LGDJ, na coleção "Bibliothèque Constitucionnelle et de Science Politique";
2. Ação Afirmativa e Princípio Constitucional da Igualdade. O Direito como Instrumento de Transformação Social. A Experiência dos EUA", publicado pela Editora Renovar, Rio de Janeiro, 2011; e, de inúmeros artigos de doutrina.
Fez também estudos complementares de línguas estrangeiras no Brasil, na Inglaterra, nos Estados Unidos, na Áustria e na Alemanha.
É Doutor e Mestre na arte de ensinar que não existem barreiras intransponíveis.
Fonte: www.google.com.br
By Rubem Tadeu - Presidente da AFAMA
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